O racismo habita em mim? Artigo da educadora Camila Portugal sugere reflexão sobre o tema
Coordenadora do Comitê para Educação Étnico-Racial do Vieira destaca ainda documentos que fundamentam ações adotadas
O racismo habita em mim? Percepções sobre o racismo, para uma educação antirracista
Por Camila Portugal, orientadora educacional e coordenadora do Comitê para Educação Étnico-Racial e de Gênero do Colégio Antônio Vieira
Pensar em reformulação de currículos, numa perspectiva étnico-racial, pressupõe também a reelaboração da cultura escolar e das suas práticas cotidianas, pois não se trata somente de modificar as atividades escolares, mas envolver toda a comunidade em uma mentalidade de respeito e legitimação dos conhecimentos e das contribuições de todos os povos que se encontram nos espaços de aprendizagem. Os documentos da Companhia de Jesus preconizam, de maneira explícita, essa necessidade. É o que diz, por exemplo, o Projeto Educativo Comum (PEC), da Rede Jesuíta de Educação (RJE), ao ressaltar que o desafio de articular fé e justiça nos leva a considerar, no espaço escolar, os temas referentes às questões étnico-raciais, “elementos referentes às culturas indígena, africana e afro-brasileira no Brasil e todos os temas similares relacionados a categorias ou grupos sociais que sofrem discriminação, violência e injustiça”.
Ora, se é sabido da necessidade de pensarmos em uma educação antirracista, com metodologias que garantam a representatividade de todos os estudantes, como preconizado nos documentos da Companhia de Jesus, bem como na Lei 10.639/2003, por que é ainda algo tão incomum nas instituições de ensino de modo geral? A resposta pode estar na dificuldade de reconhecer o racismo como algo estruturante da identidade do povo brasileiro. Portanto, faz-se necessário, principalmente, que as pessoas não negras reflitam sobre a possibilidade de que o racismo existe.
Implicar-se com o reconhecimento e o entendimento sobre o conceito mais amplo de racismo, e o quão estruturante ele é na nossa sociedade, pode ajudar na elaboração de soluções, por exemplo, para o problema da invisibilidade das pessoas negras e das suas produções e contribuições. Portanto, no caso dos colégios jesuítas, assim como o Colégio Antônio Vieira, a construção de projetos específicos, que contemplem as pautas que emergem dos estudos e das práticas em torno da temática educação étnico-racial, deve estar em consonância com os projetos político-pedagógicos, com os documentos da Companhia de Jesus, além da Lei 10.639/2003.
Portanto, faz-se necessário, assim, que esteja em diálogo dinâmico e vívido com as questões da educação na atualidade, com os seus sujeitos, dentro de uma sociedade global, cujos fenômenos reverberam, cada vez mais, em nossos colégios.
Para Paulo Freire (em Conscientização: teoria e prática da libertação): “a convocação do homem é a de ser sujeito e não objeto. Pela ausência de uma análise do meio cultural, corre-se o perigo de realizar uma educação pré-fabricada, portanto, inoperante, que não está adaptada ao homem concreto a que se destina.” O projeto de uma educação antirracista, deve buscar a superação de qualquer lógica que não contribua para uma educação pautada na equidade de direitos de todos os sujeitos envolvidos, através de práticas transformadoras, que possibilitará a busca por ser Magis – termo, em latim, que quer dizer mais, maior ou melhor é algo que caracteriza a profunda experiência do amor de Deus, vivida por Santo Inácio de Loyola e transcrita por ele no livro dos Exercícios Espirituais.
Já Djamila Ribeiro, no Pequeno Manual Antirracista, ao falar sobre racismo, afirma: “Perceber-se é algo transformador. É o que permite situar nossos privilégios e nossas responsabilidades diante de injustiças contra grupos sociais vulneráveis”. Por isso, a possibilidade de executar atividades de formação de uma comunidade antirracista se faz urgente, pois contribui para que todos os componentes dessa comunidade, tenham a possibilidade de não invisibilizar as pessoas que ali trabalham ou estudam. Portanto, um pressuposto básico, na contribuição para a transformação da educação e, portanto, da nossa sociedade, é de que precisamos mudar de atitude. Talvez, um primeiro passo pode ser se perguntando: o racismo habita em mim?
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação. 3.ed. São Paulo: Centauro 2006. PROJETO Educativo Comum (PEC). Rio de Janeiro: Loyola, 2016.RIBEIRO, Djamila. Pequeno manual antirracista. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
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