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21.04.17

Onde estão os nossos filhos?

Texto abre série de reflexões do Vieira sobre o cuidado nas relações e na internet.

“E disse o Senhor a Caim: Onde está Abel, teu irmão? E ele disse: Não sei; sou eu guardador do meu irmão?” (Gn 4,9). Quando, na primeira metade do século passado, a filósofa alemã de origem judaica Hanna Arendt cunhou a expressão “humanos em tempos sombrios”, ela alertava-nos para o risco de uma humanidade desumanizada. Arendt submete-se a uma reflexão apaixonada, e por vezes implacável, dos erros e acertos, culpas e vitórias, responsabilidades e irresponsabilidades do ser humano perante a realidade que enfrenta. A beleza desses relatos reside na sólida crença arendtiana na solidariedade, no envolvimento, na ética, na alteridade, na presença, no cuidado e na dignidade humana, valores morais e fundamentais ainda capazes de impedir o triunfo do niilismo.

Nos últimos dias, nossa vida cotidiana deparou-se com uma nova febre: a baleia azul. É bom lembrar que, há menos de um ano, nossos jovens tornaram-se caçadores de Pokémon, uma febre que, assim como chegou, se foi. Nem ouvimos mais falar daqueles “queridos” bichinhos. Essa rapidez com que tudo acontece e deixa de ser é, junto a algumas outras realidades, consequência latente de um tempo em constante liquidez, fluidez, devir e desencontros. O desafio é que, desta vez, mesmo sabendo que o fenômeno baleia azul vai passar, como tantos que já se foram e outros tantos que virão, ele pode deixar consequências irreparáveis à vida familiar de muitos.

É claro, o âmago da questão não é a baleia, mas nossas relações sociais, ou a falta delas. Vivemos um adoecimento coletivo, muitos chegam a acreditar que ser responsável por alguém é bancar, é suprir necessidades materiais apenas, quando na verdade é muito mais que isso; é partilhar vida, é ser presente na presença, é ter envolvimento, é buscar a excelência. Por sinal, o significado teológico da palavra excelência por si só traduz algo sagrado: “excelência é sentir-se parte de algo maior do que você, mas que não seria o que é, se você não fosse parte componente dela”. Se compreendêssemos isso nas nossas relações, faríamos bem diferente do que temos feito em sociedade.

Vivemos numa época que, assim como as outras da história humana, é de mudança, mas, como poucas outras, é uma mudança de época. Isso implica coragem, discernimento, envolvimento, esperança e atitude!

Vamos lá, o jogo que nasceu na Rússia, consiste em uma série de 50 desafios enviados à vítima por um “curador”. Há desde tarefas simples, como desenhar uma baleia azul numa folha de papel, até outras muito mais mórbidas, como cortar os lábios ou furar a palma da mão diversas vezes. Em outra tarefa, o participante deve “desenhar” uma baleia azul em seu antebraço com uma lâmina. Como desafio final, o jogador deve se matar.

A questão aqui me parece clara: trata-se do que Viktor Frank, pai da logoterapia, chamou de ausência de sentido. É disso que precisamos: sentido! O sentido é construído pelo grau de encantamento que a realidade gera em nós. O poeta do pantanal já dizia: “[…] que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica, nem com balanças, nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós”. Em tempos de indiferença, de não envolvimento, de falta de sentido, de não tempo para o fundamental, adoecemos enquanto sociedade e todos sofremos. Afinal, não somos seres para nós mesmos, somos seres sempre para os outros.

A realidade não se dá pronta, imutável, acabada: ela, ao contrário, é construída dia a dia, escolha após escolha, atitude seguida por atitude. Se, enquanto humanos, distanciamo-nos do caminho do cuidado, da essência da palavra comunidade, podemos redesenhar nossa história, reescolher o caminho. Para isso, precisamos saber: sim, és o guarda do seu irmão e, por conseguinte, dos seus filhos, pais, netos, vizinhos. Todos a cuidar de todos!

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