Para refletir e rezar
“Os discípulos então saíram e pregaram por toda parte” (Mc 16,20)
ASCENSÃO: “para uma Igreja em saída”
Pe. Adroaldo, SJ
“Os discípulos então saíram e pregaram por toda parte”(Mc 16,20)
Esta cena final do Evangelho de Marcos está em íntima sintonia com todo o seu evangelho. De fato, os versículos hoje propostos à nossa oração falam do mandato de Jesus aos discípulos:“ide pelo mundo inteiro”.Em outras palavras, não há ruptura entre a missão de Jesus e a dos discípulos. O ministério de Jesus se prolonga no testemunho dos seus seguidores. E é importante não esquecer que Jesus continua caminhando nas estradas da humanidade, nos passos e ensinamentos dos seus discípulos. Isso nos leva a afirmar que aAscensãode Jesus não nos priva de sua presença; pelo contrário, oferece-nos novos modos de senti-Lo e de encontrá-Lo. Começa, assim, definitivamente o tempo da comunidade cristã.
Os discípulos, portanto, darão sequência ao que Jesus fez, ampliando o campo de ação: Jesus anuncia o evangelho na Galileia; os discípulos, por sua vez, deverão fazê-lo pelo mundo inteiro e a toda criatura.
O seguidor de Jesus é impelido continuamente a uma vivência“fronteiriça”:arrancar-se, desinstalar-se, abrir-se a situações novas, assumir novos riscos, renovar-se sem cessar, adaptar-se às condições de tempo e lugar, tenacidade com uma boa dose de paixão…
Afronteiraé espaçotenso e conflitivo;ali o Evangelho se faz mais transparente, o seguimento de Jesus se faz mais radical, a vivência cristã deixa de ser neutra e começa a ser conflitante.
Dizer“fronteira”é como dizernovidade;fronteirasignifica lugares novos, experiências novas, desafios novos.Comporta emoção e descoberta, com sabor do risco, do perigo, da ousadia…
Na história da Igreja muitos homens e mulheres viveram em atitude de permanenteêxodo e disponibilidade,numa espécie de itinerância interior e exterior que os converteu emvanguardasda história.
Os grandes desafios atuais exigem‘uma Igreja missionária toda em saída’,reafirmou o Papa Francisco.
“A Igreja ‘em saída’ é a comunidade de discípulos missionários que ‘primeireiam’, que se envolvem, que acompanham, que frutificam e festejam. A comunidade missionária experimenta que o Senhor tomou a iniciativa, precedeu-a no amor e, por isso, ela sabe ir à frente, tomar a iniciativa sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar ás encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos. Vive um desejo inesgotável de oferecer misericórdia, fruto de ter experimentado a misericórdia infinita do Pai e a sua força difusiva (…) Com obras e gestos, a comunidade missionária entra na vida diária dos outros, encurta as distâncias, abaixa-se até à humilhação e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo”.(Evangelli Gaudium).
O evangelho de hoje conclui que os discípulos saíram e anunciaram por toda parte o que o Mestre anunciou: a boa notícia do mundo novo inaugurado com Ele. Este anúncio será acompanhado de“sinais”:
– os dois primeiros sinais (expulsar demônios em nome de Jesus e falar novas línguas) mostram que a ação dos discípulos é libertadora e comunicadora do mundo novo, eliminando tudo o que despersonaliza, oprime e marginaliza as pessoas, e libertando as pessoas de todo tipo de alienação.
– o terceiro e quarto sinais (pegar serpentes ou beber veneno mortal) falam dos confrontos e conflitos que aparecerão no caminho daqueles que, a partir da fé no Ressuscitado, vivem o compromisso com a vida: quem anuncia e realiza o projeto de Deus sofre oposições imprevistas e veladas (serpentes) ou evidentes e abertas (tentativa de matar os discípulos por envenenamento).
– o quinto sinal (impor as mãos sobre os doentes, curando-os); os discípulos, em estreita comunhão com a ação de Jesus, prolongam Suas mãos, curando, abençoando, levantando os caídos, sustentando os fracos.
Como o pe. Vitor Codina sj, podemos também nós, sonhar e permitir que a festa daAscençãodesate em nós um profundo dinamismo pascal e eclesial:
– passagem de uma Igreja poderosa, distante, fria, endurecida, medrosa, reacionária, da qual as pessoas se afastam e abandonam… a uma Igreja pobre, simples, próxima, acolhedora, sincera, realista, que promove a cultura do encontro e da ternura;
– passagem de uma Igreja moralista, legalista, doutrinária… a uma Igreja que vai ao essencial, que se centra em Jesus Cristo contemplado e seguido, que difunde o bom odor do Evangelho e convida a que todos coloquem Jesus Cristo no centro de suas vidas;
– passagem de e uma Igreja centrada no pecado e que fez do sacramento da confissão uma tortura e converteu o acesso aos sacramentos em uma alfândega inquisitorial… a uma Igreja da misericórdia de Deus, da ternura, da compaixão, com entranhas maternais, que reflete a misericórdia do Pai, uma Igreja sobretudo hospital de campanhaque cura feridas, que cuida da criação, na qual os sacramentos são para todos, não só para os perfeitos;
– passagem de uma Igreja centrada nela mesma, autorrefencial, preocupada com o proselitismo… a uma Igreja dos pobres, preocupada sobretudo com a dor e o sofrimento humano, a guerra, a fome, o desemprego juvenil, os anciãos, onde os últimos sejam os primeiros, onde não se possa servir a Deus e ao dinheiro; uma Igreja profética, livre em relação aos poderes deste mundo;
– passagem de uma Igreja fechada em si mesma, relíquia do passado, com tendência a olhar para o próprio umbigo, com cheiro de mofo, que espera que os outros venham até ela… a uma Igreja que sai às ruas, que vai às margens sociais e existenciais, às fronteiras, aos que estão longe, mesmo sob o risco de sofrer acidentes; uma Igreja que seja semente e fermento, que abra caminhos novos, que vá sem medo para servir, uma Igreja ao ar livre, que sai às sarjetas do mundo, uma Igreja em estado de missão;
– passagem de uma Igreja que discrimina os que pensam diferente, os diversos, os outros… a uma Igreja que respeita os que seguem sua própria consciência, as outras religiões, os ateus, dialoga com não crentes… uma Igreja de portas abertas, atenta aos novos sinais dos tempos;
– passagem de uma Igreja com tendência restauracionista e que tem saudades do passado… a uma Igreja que considera que o Vaticano II é irreversível, que é preciso implantar suas intuições sobre a colegialidade, desclericalizar-se, evitar o centralismo e o autoritarismo no governo, caminhar em meio às diferenças, confiar maiores responsabilidades aos leigos, dar maior protagonismo à mulher…;
– passagem de uma Igreja com pastores fechados em suas paróquias, clérigos de despacho, que buscam fazer carreira, que estão no laboratório e às vezes acabam sendo colecionadores de antiguidades…a pastores que “cheiram a ovelha”, que caminham na frente, atrás e no meio do povo;
– passagem de uma Igreja envelhecida, triste, com gente com cara de velório, a uma Igreja jovem e alegre, fermento na sociedade, com a alegria e a liberdade do Espírito, com luz e transparência, sem nada a ocultar, com flores na janela e cheiro de lar, onde os jovens sejam protagonistas, pois são como a menina dos olhos da Igreja;
– passagem de uma Igreja ONG piedosa, clerical, machista, monolítica, narcisista… a uma Igreja Casa e Povo de Deus, mesa mais que estrado e tapete, que respeita a diversidade, onde os leigos, as mulheres, as famílias jogam um papel relevante. É a Igreja de Aparecida, de discípulos e missionários para que os nossos povos em Cristo tenham vida, uma casa eclesial onde reina a alegria.
Texto bíblico:Mc 16,15-20
Na oração:É Ele o Senhor que com seu chamado planta aIgrejaem cada coração, filialmente configurado por
e com seu Espírito. O seguidor descobre n’Ele ocentrode sua vida e Ele o vailevando àIgreja,como os seus primeirosdiscípulos. Essaidentificaçãoprogressiva com Ele desemboca nacomunidade eclesial.Por isso, aIgrejaé o lugar dos identificados com Cristo.Serde Cristo,trabalharpara Cristo, é não sóserda Igreja, senãoser Igreja, sentir-se Igreja.
Rezar a sua pertença e seu compromisso na comunidade eclesial
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