Para refletir sobre mim mesmo, sobre mim mesma, no isolamento
Por Pe. Emmanuel Araujo, SJ
Vivemos este tempo em que, por força das circunstâncias, somos obrigados a ficar isolados. Mesmo que nos comuniquemos por tantos meios que temos, visitando virtualmente as pessoas queridas, fazendo reuniões de trabalho, sentimos falta do abraço, do calor humano, de encontrar o outro nos corredores da escola, na cantina, na capela, na sala de professores… Sentimos falta da praia, do cinema, do café com os amigos, das reuniões de família no final de semana… Às vezes começa a bater uma solidão, mesmo que estejamos cercados de pessoas queridas dentro de casa…
Eu pensava que é tempo propício para aprender com Fernando Pessoa: “A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre ou um servo inteligente: não és livre. (…) Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela” (Diário de Bernardo Soares).
Pois não parece uma contradição? Estamos “quarentenados” – retidos em casa – por força do vírus e da lei, mas essa é a grande oportunidade de crescermos em liberdade. Eu mesmo fico lembrando a toda hora da música de Alceu Valença; até gosto dela: “A solidão é fera, a solidão devora. É amiga das horas prima irmã do tempo, e faz nossos relógios caminharem lentos, causando um descompasso no meu coração”. Mas não posso esquecer que a solidão que parece fera é a mesma que pode me fazer crescer em liberdade.
E aí me lembrei de Rilke: “Não se deixe enganar em sua solidão só porque há algo no senhor que deseja sair dela. Justamente esse desejo o ajudará, caso o senhor o utilize com calma e ponderação, como um instrumento para estender sua solidão por um território mais vasto” (Cartas a um jovem poeta).
É isso! Os poetas nos ensinam sempre sobre a vida. Mesmo que a solidão pareça devoradora como uma fera, ela me faz livre e por isso vivemos uma oportunidade ímpar de refletir e ponderar sobre ela para estender essa solidão a um território mais amplo! No mundo líquido moderno, nossas vidas têm sua consistência abalada por tantas coisas que não lhe dão sentido e nos fecham em nosso próprio amor, querer e interesse. A solidão nos faz escutar nossas vozes interiores, que o barulho do trânsito e das festas não deixava ressoar, e descobrimos que tudo em nós é gratuidade e não resultado de cálculos. Descobrimos que aí está a nossa identidade mais profunda, porque ela vem do Amor.
A solidão solidifica a nossa relação e intimidade com Deus e conosco mesmos. E, por mais contraditório que possa parecer, solidifica a nossa relação com as outras pessoas que fazem parte de nossas vidas. Ela cria uma consistência que solidifica nossos valores e nossa fidelidade a princípios fundamentais. Ela nos dá segurança e firmeza nas decisões fundamentais. Ela gera esperanças duradouras de sermos capazes de transformar realidades que escravizam em ações solidárias.
Assim, a solidão nos dá solidez e solidariedade. Podemos assim compreender a solidão à maneira de Thomas Merton: “Chamaste-me a esta solidão para ser teu filho, para continuar a renascer repetidamente, à tua luz, a fim de crescer em conhecimento, em contemplação, em agradecimento, em pobreza e louvor” (Thomas Merton, Diálogos com o Silêncio). E deixar-nos libertar pela solidão, sem sair dela como em fuga de uma fera que devora, mas refletindo e ponderando sobre ela para estender essa solidão a um território mais amplo: à solidez e à solidariedade.
À maneira que Santo Inácio ensina, você pode colocar-se na presença de Deus, pedir uma graça a Ele, ler o texto acima ou o texto da Escritura abaixo à luz das motivações anteriores. Deixe a voz do Senhor ressoar em seu coração. Que movimentos interiores você tem sentido e sente na solidão? Mesmo que esta solidão esteja permeada pelo movimento da casa, da família, das crianças…
Ex 33,7-23. A imagem de Moisés entrando na Tenda do Senhor, com todo o povo de pé, do lado de fora: tempo de solidão em que Javé falava com Moisés face a face. E depois Moisés falava ao povo. Nós hoje entramos na tenda, estamos isolados, carregando nossas riquezas e pobrezas, pessoais e coletivas. Aqui podemos ficar face a face com o Senhor, o que exige trazer presente todo o povo do lado de fora: nossa comunidade educativa, os companheiros e companheiras de caminhada… Se ficamos solitários diante do Senhor, ficamos mais sólidos, para estarmos mais solidários com todas as pessoas de nossa comunidade educativa e de nossas vidas. O que a solidão nos ensina para hoje e para o dia em que, cheios de alegria, voltaremos a nos encontrar na pulsante movimentação dos corredores e recintos da escola?
Leia também
-
13.01.25
Obras no Vieirão seguem em ritmo acelerado para a volta às aulas
Requalificação completa da unidade faz parte das ações do programa Vieira 2025+
-
09.01.25
Matrículas para esportes e robótica do Vieira serão abertas de 27 a 30 de janeiro
Confira os horários das atividades extracurriculares a serem oferecidas este ano
-
07.01.25
Projeto da APM e parceria com editoras asseguram economia em itens escolares para famílias vieirenses
Iniciativas alinham-se às ações de educação ambiental e financeira da instituição
-
04.01.25
Vieira é destaque na imprensa nacional ao reafirmar princípios da educação jesuítica ao longo de contextos históricos diversos
Em reportagem na Folha de SP, diretor-geral destaca formação que alia desenvolvimento cognitivo à promoção da justiça social e consciência crítica